sábado, 7 de julho de 2012

(a irrealidade)
Vivo num quarto claro. A irrealidade entra pelas frinchas das janelas, por debaixo da porta. Tenho dificuldade em a dominar. Quando abro as janelas ou a porta, para renovar o ar, inunda sofregamente o compartimento. A custo, empurro a janela ou arrasto a porta. Quando, enfim, consigo encostar a porta, cerrar a janela, correr o trinco, não tenho sequer tempo para descansar, aos braçados apanho e arrumo essa substância odorífera, colorida e ponderosa que, insidosa, pretende invadir e expulsar-me do quarto que é o meu. É um jogo do gato e do rato. Sem ela não posso viver, mas com ela sei que não é a verdadeira vida que se me oferece. É um alimento que em excesso mata. E antes de matar, embriaga. mas está tudo muito bem feito: é quase perfeito! A dose certa é a que penetra nas fretas das janelas ou por debaixo da porta. O problema são as visões, a transparência das janelas, o sufoco de tudo estar fechado. Calma, digo para comigo, apostado em manter o equilíbrio dos fluidos...



(André Kertész)

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