Procuro uma mesa para escrever como quem, morto de sede, procura uma fonte ou: como o náufrago procura a tábua que o mantenha à tona.
Estou doente: talvez a pena possa travar o alastrar da loucura do corpo e da mente. As outras fugas têm-se revelado, não um travão mas uma aceleração. Sobretudo do tempo que se some.
Nestes múltiplos caminhos sem saída um há que sendo uma fuga para a frente é uma tergiversação da evasão onírica da leitura: a compra compulsiva de livros que não leio por falta de tempo ele oportunidade limitando-me a aumentar o seu stock iludindo-me como se comprasse o tempo da sua leitura ao mesmo tempo que o livro.
Outro caminho em falso consiste em perder -- sobretudo, mas não só -- coisas. No aperfeiçoamento dessa arte joga forte o brincar às escondidas onde raramente se surpreende o que o destino fez desaparecer.
(...) Desse clima rarefeito (onde se reconhecem afinidades) fazem também parte as coincidências, tramas que constituem o enredo em que vivemos, tanto mais numerosas quando mais atentos estivermos. E dentro desses estados de consciência alterada fazem ainda parte o delírio -- que pressupõe um discurso -- e a visão. A imaginação a partir de um pretexto real pode conduzir aos domínios do sonho com a facilidade com que um sopro incendeia uma brasa mortiça.
Não temos o direito de arranjar companhia para uma viagem suicida.
Os rapazes da minha idade estão velhos. são jovens envelhecidos; por isso os reconheço.
Todas as caras são um livro. E uma multidão uma biblioteca.
(8 de Janeiro de 2020)